Casa de Máquinas é um curta de animação em stopmotion, produzido durante uma residência artística na Inglaterra, em colaboração com Maria Leite. na Inglaterra. Com nossa bagagem anterior no teatro de bonecos e o interesse em explorar movimentos mecânicos como forma expressiva, buscamos inspiração em uma ampla gama de artistas e instituições da cena cultural dos autômatos contemporâneos. Foi a partir dessa convivência com nomes como Stephen Mottram, Paul Sponner, Simon Venus, Fiona Wire, Arthur Ganson, Sue Alexander, Daniel Potter, além de grupos como o Cabaret Mechanical Theatre e o Kinetica Museum, que o curta evoluiu de um simples catálogo de mecanismos para uma narrativa poética e visual.
Duração: 5 minutos
Direção: Daniel Herthel e Maria Leite
Música: Daniel Potter
Prêmios e principais festivais
XI Festival Nacional de Vídeo Imagem em 5 minutos – Salvador (2007)
XXVI Festival Cinematográfico del Uruguay (2008)
Festival du Film d’Animation du Annecy (2008)
62nd Edinburgh International Film Festival (2008)
10th Mo&Friese Children’s Short Film Festival Hamburg (2008)
Anima Mundi – Festival Internacional de Animação do Brasil (2008)
10º Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte – Melhor Curta de Minas Gerais (2008)
19º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo – Prêmio Porta Curtas Petrobrás (2008)
Ottawa 2008 International Animation Festival / Canada (2008)
6º MUMIA – Mostra Udigrudi Mundial de Animação Belo Horizonte (2008)
9th Circuito Off Venice International Short Film Festival – RTP2 Onda Curta Award – Venice (2008)
3º Granimado – Festival de Animação de Gramado – Prêmio Especial do Júri – Gramado (2008)
Curta Cinema 2008 Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro – Melhor Filme Júri Jovem (2008)
Festival CUCO II – Curta Cinema Online – Melhor Animação (2008)
texto crítico de Daniel Oliveira
Depois de uma citação inicial pré-título, o primeiro plano de Casa de máquinas mostra o mecanismo do filme sendo disparado por um objeto que "dá corda" em um pequeno orifício. A imagem, porém, lembra uma fechadura sendo manipulada. Uma caixa de Pandora que, prestes a ser aberta, irá revelar um grande segredo - algo, até então, oculto em seu interior. E, no caso do curta dos mineiros Daniel Herthel e Maria Leite, sua genialidade enganadoramente simples é que esse segredo são os bastidores e as engrenagens do próprio cinema animado.
Em sua essência, o objetivo primordial de toda animação é construir e revelar um universo único, coeso e coerente. Colocar os olhos do espectador em um mundo onde nem eles, nem uma câmera live action, jamais poderiam ir. E dar vida, “alma", a esse universo e seus habitantes, que consistem de imagens inertes. Em seu filme, claramente influenciado pela linguagem e pelos trabalhos conceituais do National Film Board canadense, Herthel e Leite vão além disso. Eles não simplesmente botam o público dentro das que aparenta ser uma caixa de música, mas o levam para trás engrenagens do da cortina. E, ali, revelam o trabalho árduo e mecânico de animar, de dar vida - construindo, em apenas três minutos, uma metáfora metalinguística do próprio processo de animação.
Esse contraste entre o mecânico e o artístico, o ofício e a criação, está presente em cada escolha imagética e sonora de Casa de máquinas. O mecanismo retratado dentro da caixa é repetitivo, fordista - autômato, nos termos da citação inicial de D'Alembert e Diderot. Algo exaustivamente automático, assim como o próprio processo de realização do stop motion. A trilha musical onipresente de Daniel Potter reforça esse caráter repetitivo, reiterando o mesmo tema e as mesmas notas insistentemente. Ao mesmo tempo, porém, ela também cria uma tensão e gera uma expectativa - a ideia de uma crescente em direção a algo maior que está por vir. E na própria escolha da madeira como material da caixa, Herthel e Leite ressaltam o aspecto orgânico nesse trabalho. O processo pode ser industrial e mecânico, mas ele não é metálico, escuro, enferrujado. Existe vida e luz ali dentro.
O caráter metalinguístico é mais claramente explicitado, no entanto, na própria ação executada pelas engrenagens que consiste, essencialmente, na produção de formas e volumes. Nada sutilmente, o mecanismo aciona uma série de lápis que desenham formas - que, por sua vez, tornam-se parte de um processo maior, acionando outras engrenagens. As bolinhas executam sua função para, em seguida, virarem volumes de um material que lembra a massinha de que bonecos de stop motion normalmente são feitos. Tudo é conectado, reciclado e reaproveitado, com a fotografia de Herthel e Leite tendo o cuidado de começar com enquadramentos mais fechados, que mostram apenas partes do mecanismo - para, somente mais próximo ao final, abrir planos gerais que revelam a engenhosa complexidade do processo.As imagens seguem um roteiro que cria metáforas e momentos para as diferentes fases da realização de uma animação. Casa de máquinas começa seguindo as bolinhas, depois passando para hélices e circuitos, movimentados tanto por ar quanto pelo próprio automatismo. É só ao se aproximar do desfecho que as formas circulares e mecânicas vão dando lugar a linhas mais finas e imagens que se diferem bastante dos planos iniciais, indicando a chegada da grande revelação final - anunciada também pela aceleração e o sobe som da música de Potter.
E essa revelação é a chave - para usar a referência inicial do curta – que permite ao espectador decodificar tudo que ele viu até ali. Em primeira instância, a bailarina criada pelo grupo mineiro Pigmalião - do qual Herthel e Leite fazem parte - sintetiza em seu movimento o próprio conceito de "animar": uma série de processos aparentemente mecânicos e repetitivos que, somados e executados à perfeição, dão vida e alma ao seu objeto-sujeito. E em segunda, ela vai além e mostra que não se trata de dar alma e vida a um movimento qualquer, mas sim de criar arte. Toda aquela engrenagem complexa resulta, em seu fim, nos belos gestos de uma bailarina.
Um dos aspectos mais geniais da consciência metalinguística dos realizadores de Casa de máquinas, porém, está escondida nesses planos finais. Herthel e Leite não deixam de destacar a sombra - uma eterna metáfora do cinema - que a bailarina cria na parede. É o próprio filme relembrando que não se trata realmente de uma bailarina, mas da imagem de uma. Uma ilusão que se esforça para ter uma beleza igual, ou superior, à realidade. E o curta mineiro é, essencialmente, uma ode a esse esforço.
CARNEIRO, G.;SILVA, P.(orgs.). Animação Brasileira: 100 filmes essenciais. Belo Horizonte-MG - Letramento, 2018.
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